16 de dezembro de 2012

A Hora do Show

Menino no palco brincando de ser outra face, maquiado, vestido, fantasiado.
De lá ele assiste a plateia no escuro, contra a luz, quase completamente ofuscado pela luz dos holofotes. De lá imagina cada rosto de expectativa, não sabe quem cativa e de quem arranca risadas sinceras ou olhos molhados.
Ele interpreta, viaja no mundo irreal, vira ouro, vira pó, vira nó. Navega numa vida qualquer que vem da mente, que mente, sente e cria espetáculo inocente do personagem que se cria.
O menino dentro dos olhos grandes experimenta a fumaça do gelo seco, as cores das luzes, o tempo de vida da performance, que acaba com aplausos confusos, de palmas felizes com o fim da peça e palmas satisfeitas ao ver o menino real agradecer no final aos que assistiram vidrados o menino naquele papel.
Experimenta o ridículo, o fantástico. Dá cambalhotas, faz malabares, improvisa. De lá de cima ele tudo pode, é o dono que cria seu rumo, comanda fantoches, utiliza os espaços, cria laços, memoriza, inova, transforma.
Menino criado na mente, vive no absurdo, enxergando asas. O show termina, e nos bastidores encontra a vida.

5 de novembro de 2012

Sei não

Sei não, não sei o que pensam, não sei o que penso, só sei que sei. Tava ali, parado, cansado, sorrindo, crescendo, andando. Falou que sabia de tudo, sei não. É esse silêncio daqui de dentro, barulhento, escorregadio, desafinado, condensado que manda o barulho de um lado pro outro, mistura, sacode, espalha. Um minuto de escrita, preciso de dois, uma tecla, preciso de duas, uma mão, preciso de duas, das tuas, das minhas, sei não. Em silêncio, sem palmas, sem calma, de alma, de vento, de luz. Em cada passo do vento uma folha que cai, árvore azul colocada no meio do mundo de dia tranquilo, dia marrom que insiste em mudar as cores das folhas, uma a uma. De folha em folha, amareladas, envelhecidas, estendidas no chão com cara de frio. Foram embora, moravam no galho se equilibrando no outono do norte que foi primavera no sul. Acharam na morada do chão firme, o dom de rolarem leves, sem equilíbrio, preguiçosas, espaçosas, olhando pro mundo de baixo pra cima, sem rima, com a cara daquele silêncio de meio barulho, sei não. Ou sim. Parece que não interessa pra mim. Cada não com gosto de sim, cada sim com gosto de não, amarrado no galho da árvore esperando o outono que manda cair. É negação, afirmação, meio vivo, meio morto, meio torto, sei não, tô nem ai.

22 de agosto de 2012

Encontros (e desencontros) de-mim-comigo

Pensamento acumula, palavra acumula, português e inglês se misturam sem saber o que falar.
Quanto mais dizem, menos sabem, mais reclamam, mais inflamam. De mundo em mundo, de fala em fala e de olho em olho, de um em um. Quem fala não transmite, quem transmite não fala. 
De que vale o dizer se não existe o que? A mente preenchida de vazio faz do corpo um transmissor vazio e a mente que explode de tão cheia faz do corpo uma sopa de letrinhas, sobrepõe e mistura as ideias e nada pode fazer.
Me perco na impotência de tantos pensamentos que não encontram destinos. O voo livre e fraco encontra pontos escuros em cada lugar. Cobre com pressa o corpo de retalhos escondendo o ser do si mesmo. Qualquer coisa se autoriza a se fazer oposta, qualquer capa procura o seu lado avesso ao invés do direito.
Se a palavra não sabe o que significa, que dirá o homem sobre o próprio significado se ele é feito de palavras?
Os extremos fazem do "só", o inteiro, e do inteiro, o só. O pó se espalha em cada lugar e se mistura em pequenos grãos. As decisões a gente não faz só, a distância a gente não faz só. A gente talvez nem faça de jeito nenhum.
Em meio a tantos lugares ele se perde em lugar nenhum. Os passos caminham em todas as direções na intenção da fuga-do-eu. Mas o eu está sempre ali, às vezes calado. Cada período da arte nega e renega o anterior. O que somos nós se não arte?
Alguns passos a mais e se veste as lentes nos olhos sem foco, criando contornos e cores, pintando. Pintando a vida em cima daqueles retalhos cansados. As lentes no si mesmo talvez enviem os olhos pro mundo lá fora, o mundo lá fora talvez minta sobre um só eu, porque nem sempre dois mais dois resulta em quatro.

27 de abril de 2012

Página branca

Os pés na areia, os olhos distantes, o choro confuso, o abraço apertado, o fim, o começo. As palavras. Fugiram as palavras. A ordem das árvores altera o passarinho. São estas azuis, verdes? E eles, o que veem? O que sentem? Onde pousam?
Direção. Em que direção? A rosa dos ventos voa com ele. Que bela confusão, o perfume voando inerte, aleatório. Perfume na página branca que nada diz, sem escrita, à procura do que representa, do que inala e da tinta no papel.
Frente e verso, fé e medo. Ora, mas não é certo que a página branca não é dona da ponta do lápis que a escreve? Mãos firmes que colorem, coração que perfuma e a próxima página. Desenho da flor a voar sem parar, sem parar. Companhia fiel de palavras sem fim, ali, ali, preparada para combinar as letras e expressões da face. Estranho amor da ponta do lápis. Pula linhas passa do papel, escreve o mundo, ultrapassa o necessário, comanda as cores. Árvores azuis? Verdes? Diga-me! Azuis? É assim que vejo, que sinto, que escuto daquelas palavras sem fim.
Capacidade. Um ano depois e fogem as palavras, porque são da ponta do lápis! Escrever dos olhos, uso do lápis guardado, uma linha de cada cor.